quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Democracia despolitizada

Ensinam-nos, desde pequenos que, libertado do tacão dos militares, o Brasil tornou-se um país democrático e que o voto é nosso direito constitucional. Mas na prática, não é exatamente assim. Em uma república federativa presidencialista, cuja maioria da população não dispõe de consciência política alguma e os poucos que a possuem não a têm bem estruturada, o voto sobrepuja o direito para instituir-se como um dever que, se descumprido, implica em restrições, tais como o impedimento de participar de concursos públicos.

Entretanto, mesmo que a politização do Brasil atingisse índices razoáveis, o voto ainda sim deveria permanecer obrigatório. Sim, porque com o nível dos candidatos a cargos políticos, só por força de lei para fazer valer a “democracia”. É só observar o perfil dos políticos que são escolhidos como representantes.

Francisco Everardo Oliveira Silva, popularmente conhecido como Tiririca, foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo com mais de 1 milhão de votos. Ele foi o candidato mais bem votado e, por quociente eleitoral, elegeu para bancada ao menos mais três candidatos, que a princípio não tinham qualquer possibilidade de se eleger.

Em tese, não há nada de errado em um humorista candidatar-se a um cargo político, principalmente se levarmos em conta a desmoralização que é a política brasileira. O grande problema é que este comediante, que há mais de dez anos conquistou palcos de programas de auditório com “Florentina de Jesus” é, ao que tudo indica, analfabeto. Ou, segundo a definição da Unesco, analfabeto funcional, o que significa que, mesmo que saiba ler e escrever palavras simples, é incapaz de utilizar essas habilidades como ferramentas para lidar com as demandas do dia-a-dia.

Não bastasse o absurdo desta situação, esse que quer se eleger representante popular na Câmara Federal apresentou à Justiça Eleitoral uma falsa declaração de escolaridade. Além de intelectualmente incapaz de assumir qualquer responsabilidade do cargo de um deputado, o humorista aclamado e escolhido pelo povo forjou documentos para esconder seu grau de instrução. Nada mal para o começo de uma carreira política fadada ao fracasso.

Infelizmente, ele não é o único. Há uma corja de políticos envolvidos em escândalos de corrupção que permanece ocupando as cadeiras da Câmara e do Senado Federal. Não importa que eles percam a boa reputação, os bons precedentes, o caráter e a credibilidade. O povo brasileiro perde a memória, passa a não considerar tão importante ou nocivo e dá a eles uma nova chance. Ou, pior ainda, os reelege por absoluta falta de opção.

Felizmente – se é que se pode ser feliz com uma classe política tão deletéria – foi aprovada, recentemente, a iniciativa popular que instituiu o Ficha Limpa. Esse projeto de lei, sancionado como Lei Complementar nº 135 em 4 de julho deste ano, pretende impedir a candidatura de políticos que estejam com situação judicial irregular. Por esta norma, o Supremo Tribunal Federal barrou a candidatura de Jader Barbalho, ex-presidente do senado e de Joaquim Roriz, ex-governador do Distrito Federal. Estes foram considerados “fichas sujas” por porque cometeram delitos que resultariam na cassação de seus mandatos de senador, mas renunciaram para preservar seus direitos políticos.

Certamente, o Ficha Limpa não é uma solução definitiva para transformar a política no Brasil. Para isso, é necessário que haja interesse e investimento, por parte do governo, para resgatar a consciência política dos jovens, subtraída por decêndios de dominação coronelista. É preciso que eles sejam suficientemente bem informados para saber escolher seus representantes, mas, acima disso, é preciso que existam representantes minimamente “elegíveis”.

2 comentários:

  1. Tenho a impressão que a política brasileira funciona de forma cíclica, podem passar décadas que o modelo do populismo carismático sempre volta à tona. Não arrisco dizer que é cultural, mas sim social. Foi assim com Antônio Conselheiro, com Lula e com o Tiririca. Mais alguém viu semelhança?! Deixo claro, que não estou aqui para criticar a postura de nenhum deles, e sim pra apontar possíveis explicações para o comportamento do povo brasileiro em relação a eles, especialmente o caso do Tiririca. Na minha opinião existe uma certa aproximação da história de vida desses personagens com a histórias de muitos Josés e Marias desse país, que se identificam com os perfis que eles passam para os eleitores. A maioria dos brasileiros são pessoas carentes, humildes e é a simplicidade que os conquista, e eu não os julgo. Acho que algumas pessoas votaram no Tirica por palhaçada sim, outras por protesto, mas muitas por identificação com o personagem. Essa é a chave do marketing político no Brasil, e infelizmente Tiriricas, Bebetos e Romários já descobriram isso, ou quem quer que os esteja usando, pq ainda ainda existe essa possibilidade.

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