terça-feira, 16 de novembro de 2010

O aniversariante e a Santa Democracia



    Gente, hoje, 16 de novembro de 2010, Saramago completaria 88 anos. Ele andava meio sumido das minhas leituras... e a notícia me trouxe saudade, então resolvi visitar o blog dele -sim, vejam só, Saramago era blogueiro!-. Saúde e disposição era o que não faltava à lucidez crítica desse grande pensador.
    Em uma das últimas postagens do blog, que desde a sua morte está aos cuidados da Fundação José Saramago, há um trecho, de 1994, em que o escritor questiona o conceito de democracia: "Apenas se nos pede o voto para homologar uma quantidade de coisas, em cuja definição não somos levados em conta.  Apenas nos pedem o voto, não nos pedem que participemos."
    Em 2007, foi lançado "O mundo global visto do lado de cá", um documentário esclarecedor do cineasta brasileiro Sílvio Tendler que denuncia o modelo neoliberal assumido pelo capitalismo em sua fase mais recente; e lá estava Saramago, ainda questionando a existência da democracia, denúncia esta reforçada pelo não menos brilhante Milton Santos.
   Sobre a questão, ambos compartilham o mesmo ponto de vista: a democracia é uma lenda na contemporaneidade. Isso porque, afirma Saramago, o mundo globalizado não é governado pelo povo, ou por representantes do povo, como prevê a teoria democrática, mas por corporações financeiras internacionais que, aliadas aos países desenvolvidos, concentram o controle dos fluxos de capitais, mercadorias e serviços mais significativos do mercado mundial.

A história da Santa Democracia em 1 minuto e 44 segundos: <http://www.youtube.com/watch?v=m1nePkQAM4w&feature=related>

   Além disso, a fim de assegurar a hegemonia, esses líderes econômicos se apropriam também da mídia, ferramenta fundamental para a difusão de ideologias que favorecem a manutenção desse quadro, o que afeta a geografia, a economia e a cultura de todas as nações, principalmente das dependentes. Milton Santos atribui a denominação de "lógica globalitária" para esse círculo vicioso que caracteriza o capitalismo neoliberal. Pequena digressão: sabemos, enquanto estudantes de Comunicação Social, que a Teoria da Agulha Hipodérmica é furada e que, como diz nosso querido Jesus Martín-Barbero, há brechas na indústria midiática que permitem os indivíduos a fugir da indústria cultural,  no entanto, a influência desta na sociedade é inegável.    
    De volta à democracia, vejamos o Brasil. Quem já assistiu Tropa de Elite 2 há de concordar com o fato de que votos são, hoje, a mercadoria mais visada por aqueles que detêm o poder. José Padilha fez questão de escancarar para o mundo a zona, no seu sentido mais baixo, -não há porque me desculpar pela franqueza- que é a democracia brasileira. A polícia é corrompida, a esfera política é corrupta e a mídia não está isenta, porque ela se vende a interesses corruptos.
   Assim a democracia é negociada e assim nos vai sendo imposta; e nós, acomodados que somos ao esteriótipo de país despolitizado, estamos cada vez mais vulneráveis a essa imposição. Não desmereço aqui os avanços da país com relação ao reconhecimento das igualdades sociais, pois na dimensão simbólica o governo Lula me pareceu benéfico.
   O que me admira é a postura do brasileiro diante da situação que vive a democracia. Será que as sátiras aos candidatos nas campanhas eleitorais geram uma reflexão crítica na maioria da população? Ou será que prevalece o riso? Será que, na memória do público, a pancadaria do Tropa de Elite abafa as denúncias expostas pelo filme? Entendo que  isso é uma herança cultural, arraigada a complexos acontecimentos históricos, mas me preocupa.
   Vou mandar um clichê -eu sei, são batidos só que, não raro, são a mais pura verdade-, mas é preciso abandonar o comodismo e fazer a democracia acontecer participando da vida política do nosso país, para que esta não seja uma eterna lacuna na cultura brasileira. Afinal, se o interesse não partir de nós, da Santa Democracia é que não vai partir. Ela é oca; não faz milagres.

Um desejo meu: MUITOS ANOS de VIDA para o Saramago!!! Que ele nos inspire em muitas ações e reflexões!

Para quem se interessar pelo documentário, ele está disponibilizado na íntegra no youtube:
Esse é mais longo, são 10 partes de 10 minutos cada, mas assistam! Vale à pena!

Natália Faria

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